Depois da bolha, o chicote. E vice-versa.
Entenda como o efeito chicote atingiu sua empresa em 2020 e como pode ser evitado.
A Reuters apontou que a atividade da indústria brasileira deu um salto em agosto de 2020, com o volume de produção e a demanda atingindo níveis recordes diante da flexibilização das medidas de paralisação adotadas devido à pandemia de coronavírus.
Tenho conversado com algumas pessoas que relatam períodos de ociosidade de produção e queda de vendas alternando-se com períodos recentes de picos de aumento demanda. Há relatos de aumentos de volume de mais de 200% em relação ao mesmo período do ano passado, em empresas de atendimento ao varejo. Reflexo, talvez, da tão desejada recuperação em “V”.
Isso pode ser ótimo, pois todos estamos desejosos e precisando de retomada rápida dos níveis de produção, consumo e emprego. Ao mesmo tempo, grandes variações de volume ao longo do tempo podem representar um perigo para a eficiência de um sistema produtivo, de vendas ou de distribuição.
O efeito de amplificação da demanda também é conhecido como efeito chicote ou efeito Forrester (nome do pesquisador que o identificou). É o fenômeno causado quando a variabilidade na demanda (pedidos e ordens) é amplificada em sua passagem por cada elo da cadeia de suprimentos, ou seja, do cliente final para o fornecedor primário. Essas distorções ocorrem quando essas informações são interpretadas, processadas e repassadas ao outro elo da cadeia.
Há anos aplicamos uma dinâmica de simulação conhecida como “Beer Game” (isso mesmo, Jogo da Cerveja – só para chamar a atenção – rsrsrsrsrs), que simula o fluxo de materiais e informações numa cadeia simplificada de produção e distribuição. E, durante as simulações, as variações da quantidade pedida ao elo anterior da cadeia (fornecedor), níveis de estoques e pedidos em atraso são impressionantemente grandes. Mesmo que tenha havido somente uma variação pontual de demanda do cliente final.
Womack & Jones (2002) apresentam um centro de distribuição que entrega para uma montadora com demanda relativamente estável. Na montadora, existe uma variação pequena de 5% da demanda feita pelo próximo elemento da cadeia. No entanto, a amplitude dessa variação aumenta consideravelmente ao longo da cadeia. É importante notarmos que quanto mais distante do ponto de consumo final, maior a variação, que chega a quase 40% no último elo da cadeia (no exemplo citado). Em um cenário como esse, com pedidos “erráticos” e de grande variação, a resposta dos fornecedores são, geralmente: deixar capacidade “extra” e/ou aumentar os estoques.
Slack et.al. (2009) mostra um exemplo deste fenômeno de amplificação da demanda no qual uma pequena variação (-5%) na demanda final provoca grande variações ao longo da cadeia de suprimentos. Na tabela abaixo, as linhas representam os períodos, as colunas apresentam cada elo da cadeia (da direita para a esquerda a partir do cliente final) e em cada linha/elo temos o estoque inicial do período, a quantidade produzida e a quantidade de estoque final no período.
Podemos ver que uma pequena variação de demanda (-5%) levou a grandes variações (para mais e para menos) nos níveis de produção e de estoque em cada elo e aumentando a medida em que caminhamos ao longo da cadeia de suprimentos. Um delta de -5% na demanda do período 1 para o período 2 chegou a um delta de -80% (100 para 20) na terceira camada da cadeia e, no período seguinte, de 20 para 180 (800% !) .
Existem causas comportamentais e baseadas em decisões individuais que geram este fenômeno. Um exemplo de situação é mostrado a seguir:
1. A demanda aumenta, produzindo faltas;
2. Os gerentes percebem um aumento de falta causada pela demanda volátil;
3. Gerentes reagem elevando os estoques de segurança (efeito chamado de “psicose de aumento de demanda”);
4. Como consequência, aumentam os pedidos aos fornecedores – não só da quantidade demanda, mas também do aumento do nível dos estoques de segurança;
5. Os fornecedores interpretam este aumento como um grande aumento na demanda, muito maior do que aquele que, realmente, ocorreu.
Outra causa comportamental está relacionada aos tipos de incentivos funcionais “impróprios” como o de “medo das faltas”, que diz respeito à punição mais rigorosa das faltas do que do excesso. Essa prática encoraja o pedido em excesso, causando ainda maior amplificação da demanda. Além disso, objetivos conflitantes entre áreas como marketing, vendas, fabricação e distribuição também geram o efeito de amplificação na demanda.
Dentre as causas técnicas, podemos citar:
· Atualização da previsão de vendas
· Pedidos em lotes
· Flutuações de preço
· Jogo de raciocínio e falta
Planejar e programar a produção ou compras exclusivamente mediante uma previsão de vendas pode encerrar grandes perigos, tanto pelo fato de que a previsão estará errada (com quase toda certeza – rsrsrsrs) e, também, pelo fato de que a maior parte das técnicas de previsão alocam peso consideravelmente maior à demanda mais recentemente observada. Imagine o efeito disso sendo você o fornecedor de terceira camada da tabela mencionada anteriormente (de Slack, 2009). Para procurar remediar isso, temos visto o compartilhamento cada vez maior de informações ao longo da cadeia, utilizando-se sistemas com o EDI, kanban eletrônico e estoques gerenciados pelo fornecedor em esforços valorosos e gratificantes de atuação conjunta, na forma de verdadeiras parcerias operacionais.
Os pedidos em lotes e esporádicos (ao invés de pedidos mais frequentes e em lotes) geram um aumento da propagação de picos ou vales momentâneos e contra isso temos a aplicação de diversas técnicas advindas do universo da produção enxuta tais como a redução dos tamanhos de lotes de forma economicamente viável (sem aumento do custo total unitário), aplicação de técnicas de transporte compartilhado e milk-run para entregas mais frequentes e de forma mais previsíveis.
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As flutuações de preços também podem exercer um grande papel de geração artificial ou antecipada de demanda, fazendo com que no período posterior a uma grande promoção, por exemplo, os consumidores compensem o comportamento anterior e diminuam ainda mais o volume total comprado. Para diminuir este efeito, temos visto políticas específicas de parcerias comerciais de prazo um pouco mais longo para determinados clientes. Isso não se aplica, necessariamente, a 100% do mix de produtos ou da carteira de clientes, mas ao sermos seletivos na geração de acordos mais longevos, criamos uma relação ganha-ganha com clientes-chaves em mercados específicos e, assim, reduzimos a proporção da variação de demanda.
O jogo de racionamento e falta mostra-se relevante em períodos em que a oferta é expressivamente menor do que a demanda e que, mesmo com eventuais aumentos de preços, a demanda ainda supere a oferta. Isso pode levar os consumidores a pedirem mais do que realmente desejam e, assim, inflacionar a percepção de qual é o real volume demandado pelo mercado. Nestas ocasiões singulares, pode-se procurar soluções como alocar os pedidos aos clientes proporcionalmente às vendas passadas, ao invés de proporcionalmente aos pedidos – desestimulando pedidos em excesso em um período de oferta contida.
A tabela a seguir apresenta um resumo das principais causas técnicas e algumas possíveis estratégicas de remediação mencionadas.
Claro que não há nenhuma pretensão em esgotar um tema complexo que contém componentes comportamentais, comerciais, técnicos e de estrutura de negócios. Mas, acredito ser de extrema importância suscitarmos o entendimento e o debate sobre este aspecto que faz parte do dia-a-dia de várias empresas que compõem uma cadeia de suprimentos. E, assim, caminharmos juntos rumo a uma maior eficiência das cadeias produtivas e atender melhor aos clientes.
Referências:
Moreira, Camila (2020). Atividade da indústria do Brasil dispara em agosto com recorde de produção e encomendas, segundo PMI. Disponível aqui.
Slack, Niguel; Chambers, Stuart; Johnston, Robert (2009). Administração da Produção. 3ª edição. Editora Atlas.
Womack, James P.; Jones, Daniel, T. (2002). Seeing the whole: mapping the extended value stream. Productivity Press.
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Cesar Augusto Campos de Araujo é PhD em Engenharia de Produção pela USP. Especialista em Gestão de Mudanças (Change Management) e Melhoria de Processos, trabalha há 17 anos como consultor em gestão da mudança e melhoria de processos de empresas de diversos segmentos. Com foco em Lean Office já atuou em diversos projetos visando melhorias no fluxo administrativo de empresas . Sócio diretor da Hominiss Soluções.
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